domingo, 14 de março de 2010

Bocage, "Antologia Poética"




Editora Ulisseia

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DESENGANADO DO AMOR E DA FORTUNA
Fiei-me nos sorrisos da ventura
Em mimos feminis, como fui louco!
Vi raiar o prazer; porém tão pouco
Momentâneo relâmpago não dura:

(…)

Ah! Não me roubou tudo a negra sorte:
Inda tenho este abrigo, inda me resta
O pranto, a queixa, a solidão e a morte.

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A RAZÃO DOMINADA PELA FORMUSURA

Importuna Razão, não me persigas;
Cesse a ríspida voz que em vão murmura;
Se a lei de Amor, se a força da ternura
Nem domas, nem contrastas, nem mitigas:

Se acusas os mortais, e os não abrigas,
Se (conhecendo o mal) não dás a cura,
Deixa-me apreciar minha loucura,
Importuna Razão, não me persigas.

(…)

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XLIII
O RETRATO DE DEUS, DESFIGURADO
POR MINISTROS EMBUSTEIROS

(…)
Eis o Deus, que consola a humanidade,
Eis o Deus da razão, O Deus de Elmano;

Um déspota de enorme fortaleza,
Pronto sempre o rigor para a ternura,
Raio sempre na mão para a fraqueza:

(…)

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EPIGRAMA

IV

Um chapado, um retumbante
Corifeu de medicina
Certa menina adorava,
ER adoeceu-lhe a menina.

Eis para curá-la o chamam,
Pela alta fama que tem;
Geme o doutor, e responde:
«Não vou, que lhe quero bem.»

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VI

Lavrou o chibante receita
Um doutor com todo o esmero;
Era para certa moça
Que ficou sã como um pêro.

«Tão cedo! É milagre!» (assenta
A mãe, que de gosto chora).
«Minha mãe, não é milagre,
Deitei o remédio fora.»

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LVI

Epitáfio

Aqui jaz um homem rico
Nesta rica sepultura:
Escapava da moléstia,
Se não morresse da cura.

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CVI

A morte foi sensual
Quando ainda era menina:
Co pecado original
Teve cópula carnal,
E pariu a medicina.

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